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Crônica de um marido proativo

– Vou colocar o João para dormir, enquanto isto você pode arrumar a mesa e cuidar o jantar ?

– Ok, mas o que vamos jantar ? Não tem nada na geladeira. A nossa auxiliar do lar não deixou nada preparado ?

– Ah, se vira aí. Ela teve que sair mais cedo para para cuidar da vizinha que está com dengue. Comprei pão e deve ter alguma coisa congelada.

Na imensidão gelada e inóspita de nosso freezer, depois de comemorar que a vítima do mosquito era a vizinha e não eu, encontro umas salsichas congeladas. Cauteloso, ainda me digno a checar se estão válidas. Tudo certo…

– Meu berro reverbera a partir da cozinha: – Vamos ter que comer “dogão”, tudo bem ?

O silêncio do outro lado me enche de energia e vou em frente antes que ouça um sussurro propondo um jantar a base de alface americana e tomate cereja….

Que panela utilizar para cozinhar as salsichas ? A resposta óbvia é: a primeira que aparecer na sua frente e que comporte o volume de água necessário para ferver as ditas cujas.clear_boiling_pot

Acendo o fogo, despejo as salsichas e algum tempo depois surgem as pequenas bolinhas da fervura…Me sinto um Master Chef.

Mais um tempinho, mais bolhas que agora se destacam entre um líquido amarelado, tingido pelo corante com o qual a Sadia garante a saúde da alimentação de seus consumidores.

Alguns minutos mais e a panela mimetiza a erupção do vulcão de Cracatoa, o inferno de Java. Minhas salsichas estavam no ponto…Que orgulho !

Sorrateiramente a esposa adentra a cozinha. Me posto ao lado da panela, tal qual um caçador que acabou de abater a sua presa. Hoje eu vou me dar bem, receberei elogios pela minha colaboração e criarei um climinha favorável para a sequência da noite.

– O que você fez ? Ouço um grito exaltado…

Por uma fração de segundo penso que minha esposa havia se convertido em uma defensora dos frágeis porquinhos que se sacrificaram por aquelas salsichas. Não me parecia ser este o caso. A raiva era maior.

– Como assim, o que eu fiz ? Preparei as salsichas para que você não passasse fome e não corresse o risco de ficar desnutrida.Eu ainda perguntei se você topava jantar esta iguaria.

– Você cozinhou as salsichas na panela que eu uso para esterilizar as mamadeiras do João. Você não percebeu que esta panela é só dele ?

– Não, mas tem problemas ? Fervi a água e “lavou, está novo”. O leite dele não será contaminado por salsichas mutantes e radioativas, fique tranquila…

A argumentação foi em vão. As salsichinhas foram julgadas culpadas e condenadas ao inferno, João ganhou uma panela nova no dia seguinte e jantei, sozinho, alface com tomate cereja.

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