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Game of thrones

Blue Throne Chair isolated on white background. 3D renderUm dos elementos que melhor simboliza o poder de um monarca é o seu trono. No sentido prático da coisa, aquela cadeira especial, alta e imponente que mostra para todos que ali se senta uma bunda diferenciada. Não importa se as dimensões das nádegas sejam as menores do reino. Estamos falando de poder e prestígio e não de justiça ou igualdade de direitos.

Assim como os súditos devem ser reverentes às suas majestades e se ajoelhar perante o trono, cabe a mim como pai, assegurar que o membro da família real (meu filho) se refastele em seu assento especial, popularmente conhecido como cadeirinha, em cada deslocamento que faça pelas terras da vizinhança. Ele merece conforto, segurança e bem estar e cabe a mim assegurar estas coisas.

Recentemente ousei mexer naquele território sagrado. Preocupado com as migalhas, manchas de suco, cabelos de Playmobil e elementos não identificados que se acumulavam nos arredores daquele centro de poder e ameaçavam destruí-lo, cometi o erro de remover a cadeirinha de onde ela repousava há alguns anos.

A higienização da cadeirinha foi bem recebida e ganhei pontos na escala de bom pai, em que oscilo mais do que a bolsa de valores. Foi porém, um momento de alegria fugaz…Logo em seguida recaiu sobre mim uma pesada maldição: a tarefa de recolocar a cadeirinha em seu devido lugar, restabelecendo às ordens de poder e hierarquia vigentes em nossa família. Era o meu episódio doméstico de Game of Thrones – meu filho deveria ser reconduzido ao seu trono imediatamente. Mais dramático ainda: eu deveria fazer isto acompanhado pelos olhares severos da rainha mãe, que em alguns momentos parecia personificar Cersei Lannister. Eu tentava me guiar por gráficos que me orientavam a fixar a base da cadeirinha em sentido perpendicular à Meca, passar o cinto de segurança entre o ponto A e ponto B, travar no ponto C, ouvir um click e pronto. Estava tudo no manual, de forma didática, serena e cristalina, típica de consultores vendendo os seus projetos sem nunca ter que executá-los. Fracasso absoluto…A platéia impaciente não escondia o seu descontentamento com a minha performance.

Vamos mudar de mídia, pensei eu. Pais modernos não leem manual, eles seguem tutoriais. Alguém no youtube me ensinaria a fazer isto em questão de segundos. Novo fracasso, o trono de meu filho tinha botões, travas e cintos, diferentes dos vídeos em questão. Tudo agravado pelo fato de que o meu 3G mal funcionar dentro da garagem. A pressão crescia e o vídeo só serviu para mostrar que o trono móvel de meu filho já estava desatualizado.

Completamente exausto e reconhecendo minhas limitações cognitivas, eu ainda tentei argumentar que  quando eu era pequeno  viajava solto em uma parte nobre do carro chamada “chiqueirinho”. Era algo divertido. Eu gostava, especialmente quando o meu pai acelerava e freava e eu batia a cabeça em algum lugar do porta-malas. Foi uma apelação, desespero de causa. O máximo que consegui foi ouvir que daquele momento em diante o nosso filho estava proibido de conviver com um avô tão irresponsável.

Como pais precisamos educar os nosso filhos. A vida me ensinou na prática que nunca, jamais, em tempo algum, acredite em alguém que te diga que a cadeirinha do seu filho será fácil de lavar, transportar e instalar. Acredite mais em promessa de político em tempo de eleição do que nesta calúnia. Planejo retirar a cadeirinha para lavar novamente no dia em meu filho se alistar no exército.

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Espírito de natal

man in santa claus costume

– Pai, o Vicente me disse que irá se casar com o Papai Noel.

– Legal, meu filho. Que eles sejam muito felizes. Quem sabe um dia não vamos visitá-los na Lapônia.

-Pai, mas menino pode casar com menino ?

– Pode, meu filho. As pessoas tem que ir em busca da sua felicidade. Se o Vicente quando crescer, gostar de um outro homem e achar que é com ele que deve casar, ele pode fazer isto.

-Pai, mas o Papai Noel é velho. O Vicente pode se casar com um velho?

– Filho, o Vicente não irá casar com ninguém aos 4 anos de idade. Quando ele crescer e virar adulto, aí ele vai saber se ainda gosta do Papai Noel e se é com ele que quer casar. O importante é o Vicente ser feliz.

– E se o Papai Noel se casar com o Vicente, ele ainda virá aqui em casa para trazer presentes para mim?

– Claro, filho. Papai Noel jamais se esquece das crianças. Ele já tem uma relação estável com a Mamãe Noel e também é bem amigo dos duendes e mesmo assim, todo ano aparece por aqui. Isto não mudaria se ele se casasse.

-Ah, então tá. Ano que vem eu vou pedir um trem e um Power Rangers para ele.O natal está longe ?

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Era uma vez um castelinho…

71YaQ1jUtqL._SL1500_Dia de sol, vamos brincar no parquinho da praça. Atração principal: tanque de areia. O projeto é a construção de um castelo medieval, com torres e fosso, cujo acesso se dará por highways livres de pedágios, onde os carros trafegarão sem limite de velocidade e sem radares fotográficos. Com uma visão de empreiteiro, decido também que a estrada terá um túnel, que logicamente ligará o nada ao lugar nenhum, somente para que os veículos passem por dentro.

Concordo que talvez haja um certo ecletismo no projeto e o resultado final possa ser catastrófico, mas  foram demandas do meu filho e vivemos em São Paulo, onde a referência de beleza são prédios neoclássicos com colunas jônicas. Feita esta ressalva, lá vou eu com todo o ferramental necessário para construção (pás,balde,forminhas,caminhão betoneira).

Junto com aquele que é ao mesmo tempo o meu cliente e mestre de obras, busco um canto com sombra, que parece ser o terreno ideal para a execução de nossa obra prima da arquitetura. Organizo o arsenal e inicio o processo de terraplenagem. Subitamente percebo que estou cercado por membros do MST da praça (MST=Movimento dos Soberanos do Tanquinho). Crianças de todas as idades se aproximam, invadem a minha propriedade produtiva,destroem o que eu havia começado a construir e somem com as minhas ferramentas de trabalho.

Moças vestidas de branco, que parecem ser as mentoras daquele ato, ficam passivas, fofocando entre si e olhando mensagens em seus celulares. Ninguém faz nada e de repente me vejo em uma batalha de Davi contra Golias para recuperar o baldinho vermelho, peça indispensável para o meu trabalho (eu sou o Davi, apesar de ter o triplo de tamanho de meu inimigo). Os militantes do MST atuam como uma gangue, apesar de terem uns 90 cm de altura . Tento o diálogo, explico que trouxe  o baldinho de casa, que é propriedade privada. Argumento que todos são bem vindos para brincarmos juntos desde que respeitadas algumas regras e que não se estrague o que o outro está fazendo…Nada. O caminhão, já sem rodas, parece desfalecido ao lado de uma moita. A forminha de estrela amarela foi vista pela última vez em cima de um escorregador a metros de distância do tanque de areia.

O meu desejo era dar um leve belisquinho em cada uma daquelas crianças mal educadas e fazer uma pregação para pais e babás negligentes da praça para que se mexessem. Explicar que brincar junto não é destruir e nem sumir com as coisas dos outros, que “por favor” ainda existe , que respeito ao próximo é importante em todas as situações, que educação não cai do céu. Desisti. Lembrei que eu só queria brincar com o meu filho e não para advogar por mudanças de caráter. Não naquela hora…peguei o espólio de meu ferramental e levei o meu filho para tomar sorvete…O próximo castelo será construído em minecraft.